Οικιακά – Trabalhos domésticos
Se calhar não percebeu
E nem reparou
mas continuou a cortar as mãos
depois de descascar as pêras.
O sangue fluiu com gentileza
pelas linhas do destino da vida do coração
até ao ralo
rodopiando entre pratos sujos e restos de comida.
Aproximou-se inquieto
o seu gato
com uma compaixão sincera
começou a lamber as feridas
enquanto por um breve momento
ela se contemplou no reflexo vítreo dos olhos felinos
uma estrangeira
presa numa gaiola suja
um telhado que não conhece o nascer do sol
pequenos besouros no chão
e na pia as mãos encharcadas num lago escuro
que agora brilha
coroado com a espuma branca do detergente.
Das profundezas da pia
nascem todas as luas cheias
as luas brancas
pensou
deixa-me ao menos acabar a louça hoje
Danae Sioziou (Grécia, 2008)
Publicado em ‘Austerity Measures: The New Greek Poetry’ (NYRB Poets, 2017)
*
Um assalto (2018)
Ao abrir a porta da minha casa
vejo que a poesia é um privilégio
como os brinquedos caros da infância
ou a enésima audição da tua música favorita
em condições acústicas perfeitas
como um beijo dado pelo amor da tua vida
como milhares de póneis brilhantes
como a vida noutros planetas
como o mel que se dissolve completamente numa chávena de chá
como rebanhos de trovões à distância
Eu gosto de escrever poemas
porque escuto o começo da minha morte
mesmo que as pessoas não gostem ouvir poemas
Eu gosto deste som
a maneira como se põe em ordem as palavras
a maneira como assaltam uma casa segura
Gosto de escrever poemas
a maneira como os gatos gostam de se lamber ao sol
e eu quero ser boa nisso.
eu quero ser boa nisso.
*
A Flecha (2010)
Anda cá e brinca comigo. Desabotoa os meus botões um por um e por cada um deles contar-te-ei um sonho. Verás como as minhas costas nuas formam um arco. Por desenhar. Quando puderes, tenta esculpir aqui, peço-te, uma flecha.
publicado em ‘Useful Children’s Games’, Harlequin Creature, New York 2016